Por Marcos T. Machado, membro do Conselho de Administração do Instituto Ética Saúde e um dos seus fundadores

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Artigo: A decisão do Congresso vai na contramão da transparência no setor público


Data de Publicação: 04/10/2021
Artigo: A decisão do Congresso vai na contramão da transparência no setor público
No ano em que o Brasil testemunha a perda irreparável de mais de 600 mil pessoas pela Covid-19 e o aumento do oportunismo por parte de uma parcela dos administradores públicos que se aproveitaram da crise sanitária para promover fraudes, a Câmara dos Deputados e o Senado Federal aprovaram mudanças na Lei de Improbidade Administrativa que fragiliza este importante instrumento no combate aos desvios éticos. Ao invés de se criar mecanismos que facilitem a investigação dos malfeitos públicos, suprimem-se os já existentes. Ocorre que, quando não existe transparência no Poder Público, existe corrupção.
 
O Projeto de Lei 2.505/2021, aprovado no Congresso Nacional e sancionado sem qualquer alteração pelo Presidente da República, Jair Bolsonaro, foi brevemente discutido em uma única audiência pública no Senado Federal, realizada no dia 28 de setembro, porém os parlamentares se posicionaram de maneira indiferente aos anseios socais. Ora, se existe uma espécie de contrato entre a sociedade e seus representantes, onde damos a eles o poder de nos representar, as regras desse pacto deveriam ser debatidas e alteradas após consenso entre as partes. A Lei da Improbidade tem como finalidade justamente carregar essa responsabilidade aos agentes públicos pelos seus atos. Mas os termos do compromisso com o povo foram alterados – flexibilizando as punições - sem o devido diálogo. Pelo rumo tomado, se tornará mais difícil a imputação da responsabilidade daqueles que, no exercício de nos representar, nos gerarem prejuízos. Pior, este abrangerá os três níveis de governo: federal, estadual e municipal; e ainda alcançará o setor privado. 
 
O Instituto Ética Saúde, que tem o compromisso de combater e prevenir a corrupção no setor da saúde, analisou o respectivo PL e apresentou aos parlamentares um documento com 12 argumentos de que a proposta de alteração não atende aos anseios da sociedade. Destaco quatro pontos de extrema relevância, que representam o afrouxamento das punições: dolo específico e prescrição; restrição à punição; possibilidade para a não prestação de contas; e isenção de partidos políticos.
 
Um dos pontos mais críticos é a previsão de punição apenas para agentes públicos ou, por equiparação, agentes privados, que comprovadamente agiram com dolo, ou seja, intenção de lesar a administração pública. Até agora, a lei considerava improbidade administrativa “qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que cause lesão ao erário, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres”. A consequência dessa alteração é aumentar a impunidade, tendo em vista a dificuldade da prova da intenção do agente. 
 
O Instituto Ética Saúde encaminhou ainda ao ministro da Controladoria-Geral da União, Wagner de Campos Rosário, posicionamento contrário em face das alarmantes alterações que o Congresso Nacional efetuou na Lei n.º 8.429, de 1992. Lembrando que a CGU – enquanto órgão de controle interno do Governo Federal responsável por realizar atividades relacionadas à defesa do patrimônio público e ao incremento da transparência da gestão, por meio de ações de auditoria pública, correição, prevenção e combate à corrupção e ouvidoria – exerce papel fundamental na instrumentalização da Lei de Improbidade e, portanto, era imprescindível no debate. 
 
Vale lembrar que pelo menos 2,3% de tudo que é investido na saúde no Brasil se perde com fraudes. O orçamento destinado ao setor (público e privado) nos últimos anos correspondeu, em média, a 9,2% do PIB, o equivalente a R$ 680 bilhões. Ou seja, por ano, o país perde pelo menos R$ 22,54 bilhões. A pandemia da Covid-19 gerou novos investimento e mais despesas para o governo federal, que totalizam outros R$ 68,7 bilhões, segundo o portal da transparência do Tesouro Nacional, e outros tantos bilhões dos estados e municípios. Portanto, está claro que é necessário monitorar a efetividade das ações de combate aos desvios de conduta. Ao contrário, a Lei 14.230, resultado do PL 2.505/2021, foi publicada no Diário Oficial da União de 26 de outubro e passa a valer imediatamente.  
 
Um país que ocupa a 94ª posição no ranking mundial de corrupção da Transparência Internacional deveria criar mecanismos para facilitar a investigação dos desvios, não o contrário. Estamos andando para trás e abrindo brechas para ocuparmos posição ainda pior nesse levantamento global. O Instituto Ética Saúde vai continuar na luta para que não se disfarce a impunidade aos malfeitores.
 

 


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