Inspirado nos Estados Unidos, o Projeto de Lei propõe a divulgação obrigatória das relações financeiras entre profissionais de saúde, ONGs e empresas reguladas pelo setor
É unânime a opinião de que o Sunshine Act no Brasil é um passo essencial para fortalecer a confiança no sistema público de saúde e mitigar os impactos da corrupção, fraudes e conflitos de interesse no setor. O tema foi destaque do Seminário Diálogos Éticos, no dia 10 de dezembro, em Brasília.
A coordenadora da FGVEthics, Ligia Maura Costa, contextualizou o Sunshine Act nos EUA, destacou a importância de uma agência fiscalizadora e elencou os desafios: “Complexidade, resistências culturais e políticas, mudança comportamental e investimentos em tecnologia”. E alertou para a necessidade de fiscalização e punição. “Nos Estados Unidos, as penalidades são severas”.
A diretora de Gestão de Riscos, Auditoria e Compliance do Hospital Albert Einstein, Viviane Souza Miranda, que integra a diretoria do Instituto Ética Saúde, acredita em uma mudança cultural, a partir da experiência de 10 anos de um projeto similar implementado no hospital. “As pessoas estão cada vez mais preocupadas em refletir sobre a qualidade de suas decisões: ‘Estou tomando a melhor decisão? Minha escolha está embasada em critérios técnicos e isenta de influências externas?’. Esse questionamento é um avanço importante. Além disso, quando surgem dúvidas, é comum que as pessoas busquem orientação, o que representa uma oportunidade valiosa para reforçar a educação e promover práticas mais éticas e responsáveis”, relatou.
Quem será o órgão fiscalizador do Sunshine Act brasileiro é uma preocupação. O vice-presidente da Região Centro-Oeste da Associação Médica Brasileira (AMB), Etelvino Souza Trindade, lembrou que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária, cotada para fazer esse papel, enfrenta limitações. “Para que a Anvisa assumisse esse papel, seria necessário criar um corpo específico para tratar de compliance e ética. No entanto, dado o atual contexto, essa tarefa poderia ser excessivamente pesada para a agência, que já enfrenta dificuldades estruturais e operacionais”.
O conselheiro do Conselho Federal de Medicina (CFM), Raphael Câmara, relator da Resolução 2386 – que normatiza procedimentos e regras em relação a vínculos de médico com indústrias farmacêuticas, de insumos da área da saúde e equipamentos médicos -, defendeu a lei. “Nossa resolução é o início. Agora, não há dúvida, do ponto de vista jurídico, de que não está nem perto do poder de uma lei. Portanto, defendemos, sim, que ela exista”.
O consultor Jurídico do Instituto Ética Saúde, Giovani Saavedra, destacou um aspecto jurídico delicado: a correlação entre transparência e corrupção no setor privado. “Obrigar a divulgação dessas informações enquanto tratamos tais relações como crime poderia ser interpretado como obrigar pessoas a produzirem prova contra si mesmas, o que é inconstitucional”. E questionou: “Precisamos refletir sobre o objetivo dessa regulamentação. Devemos seguir modelos internacionais, como o americano, focando na transparência e no uso dessas informações para tomar medidas administrativas e minimizar conflitos de interesse? Ou queremos introduzir no Brasil um novo conceito jurídico, o de corrupção privada, exigindo debates aprofundados para evitar conflitos com os direitos constitucionais?Avançar exige um equilíbrio cuidadoso entre promover transparência e respeitar as garantias legais, para que possamos construir um sistema robusto e alinhado às melhores práticas internacionais”, finalizou o advogado.
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