por Eduardo Winston Silva, presidente do Conselho de Administração do Instituto Ética Saúde

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Artigo: A Ética da Dialética e a Vacina


Data de Publicação: 06/04/2021
Artigo: A Ética da Dialética e a Vacina
Hegel, no final do século XVIII, propõe a dialética como um sistema de criação de conhecimento. Nesse sistema, pela contraposição de duas visões ou ideias conflitantes, seria possível desenvolver um novo conhecimento, ou novas propostas. Utilizando as palavras de Hegel, ao confrontar uma tese e uma antítese seria possível gerar uma nova ideia, denominada síntese. Esta, por sua vez, se transforma em uma nova tese, que será confrontada por uma antítese, gerando um ciclo infinito de geração do conhecimento.  
 
Há, no entanto um requisito básico para que este ciclo de geração de conhecimento funcione, que é justamente a disposição para confrontar ideias, pontos de vista conflitantes. Tal disposição para o debate de ideias é suprimida em ambientes de radicalização. Em tais cenários, as ideias viram dogmas e a defesa das mesmas passa ser um propósito em si. Não coincidentemente, a radicalização e o pensamento dogmático estão na origem de algumas das maiores barbáries históricas. 
 
É importante notar que esta radicalização não necessariamente é percebida por aqueles inseridos em tais contextos. Não há, ao menos expressamente, a manifestação de grupos de indivíduos que abrem mão da evolução do pensamento e da sociedade por defesa de uma ideia. Pelo contrário, vemos a crença que tais ideias seriam o caminho para a correção ou melhoria da sociedade. 
 
Tal cenário é identificável atualmente. E daí a necessidade de revertermos esta tendência e elevarmos a qualidade dos debates. Para exemplificar a importância de confrontar pontos de vista, na busca pela melhor solução possível, tomemos discussão acerca da vacinação privada da Covid-19. Tal exemplo é atual, relevante, tem grupos com pontos de vistas bem definidos, mas desperta relativamente menos paixões, desde que mantido à parte de questões político-partidárias. Vejamos:
 
Em defesa da proibição da vacinação privada temos experts que argumentam que a eficácia social da vacina depende da imunização massiva da população e que somente o estado teria capacidade de chegar a todos. Ainda, contestam a moralidade de utilizar o poder aquisitivo como argumento para priorização na imunização. Por fim, entendem que a restrição está no número de vacinas disponíveis e que trazer o setor privado para a cena promoveria maior competição pela aquisição, eventualmente encarecendo o produto. Como podemos ver, são argumentos inquestionavelmente válidos.
 
Em defesa da liberação da vacinação pelo poder privado temos experts que trazem os argumentos em relação a repartição do ônus da vacinação entre o Estado e aqueles indivíduos dispostos a pagar. Trazem ainda o argumento que a inserção do setor privado na campanha de vacinação promoveria um ganho de eficiência, liberando o estado para suportar aqueles que realmente dependem do poder público para ter acesso à vacina. São argumentos igualmente válidos e a contraposição de ambas as visões geraria o cenário perfeito para uma discussão dialética, não fosse a forma dogmática com que muitas vezes é conduzida.
Estivéssemos de fato dispostos a gerar conhecimento a partir da contraposição, poderíamos pensar em caminhos que capturem os benefícios e afastem as distorções de cada ideia. Por exemplo: poderíamos pensar num sistema onde a prática fosse autorizada desde que para cada vacina adquirida e aplicada por agentes da iniciativa privada fosse imunizado, adicionalmente, um indivíduo da fila prioridade do governo. Dessa forma, digamos que uma empresa decida comprar 1.000 doses para aplicar em seus funcionários. Seria possível desde que adquirisse 2.000 doses e abrisse as portas para vacinação de 1.000 indivíduos indicados pela fila do governo.
Retornando ao sistema proposto por Hegel, tal proposta representaria uma síntese da tese da não vacinação privada e sua antítese. Esta síntese, por sua vez, se transformaria em nova tese e seria enriquecida por contraposições. Notemos, portanto, que mais importante do que a proposta de um novo modelo de vacinação é restabelecermos nossa capacidade de debater, confrontar argumentos e, a partir deste exercício, desenvolver melhores soluções. É importante restabelecermos a Ética da Dialética.
 

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